sexta-feira, 23 de outubro de 2009

"Dançando no Escuro"

“Dançando no Escuro” (Dancer in the Dark, 2000) é a obra-prima do diretor dinamarquês Lars Von Trier. O filme vencedor da Palma de Ouro em Cannes no ano de 2001 é um musical antiilusionista profundamente triste e que deve ser conferido por todos os amantes da sétima arte. Mesmo que seja para chorar rios de lágrimas. O longa de Lars Von Trier ainda valeu o prêmio de melhor atriz, também no Festival de Cannes, para Bjork, por sua brilhante atuação. “Dançando no Escuro” retrata uma realidade dura e cruel, em que a tragédia da personagem principal atinge níveis estratosféricos. Quem procura o filme pensando em assistir um musical bonitinho e feliz vai se decepcionar. A história da personagem de Bjork é difícil de ser digerida e não existe a menor possibilidade do espectador não lidar com sentimentos ruins como raiva, desprezo e revolta. O filme do diretor de “Dogville” (Dogville, 2003) em nenhum momento resvala no estilo “dramalhão” embora seja extremamente emocional. Com a câmera na mão, Lars Von Trier trabalha com closes generosos que valorizam a performance do elenco e a expressão no rosto de cada um dos atores durante os diálogos mais dramáticos. O resultado em cena é excelente e aproxima o espectador da ação, fazendo com que o sofrimento da protagonista seja sentido completamente pelo público. As cores frias e pálidas também reforçam a crueldade da trama. Mas nem tudo em “Dançando no Escuro” é pesado e trágico. A maravilhosa trilha sonora e os números musicais dão o tom de fantasia e ilusão em meio a tanta desgraça. Selma (Bjork) é uma imigrante da Checoslováquia que vive nos Estados Unidos e trabalha dia e noite em uma fábrica para conseguir pagar uma cirurgia para seu filho, Gene (Vladan Kostig). Sem vaidade alguma, ela sofre de uma doença hereditária que está comprometendo sua visão e em pouco tempo a deixará completamente cega. Selma sabe que seu filho irá passar pelo mesmo problema e ela precisa juntar o restante do dinheiro para a operação de Gene. Sendo assim, a imigrante entra numa rotina de trabalho ainda mais exaustiva visando financiar a cirurgia. A imigrante chega a pegar no batente mesmo quando não está enxergando mais um palmo a sua frente. Contando com a ajuda de seus vizinhos, Linda (Cara Seymour) e Bill (David Morse), Selma leva a vida com muitas dificuldades. Sua única válvula de escape é a música, que a faz criar seu próprio universo de sonhos e superar os desafios de uma vida cruel e injusta. Selma é apaixonada pelos musicais de Hollywood e seu refúgio reside na fantasia que eles possibilitam à sua imaginação. O ritmo e barulho das máquinas fazem a moça lembrar destas produções musicais e assim Selma dá asas a sua criatividade. Ela constrói devaneios que tornam suas longas horas de trabalho na fábrica um pouco mais suportáveis. Os números de música em “Dançando no Escuro” são frutos da imaginação da personagem de Bjork e são intercalados com a narrativa principal. Selma brilha em grandiosas cenas idealizadas pela sua mente e é onde ela se torna uma grande estrela. Quando Selma começa a se atrapalhar na fábrica por causa da cegueira, nem mesmo sua fiel companheira de trabalho, Kathy (Catherine Deneuve), consegue evitar sua demissão. Selma ainda é obrigada a desistir do papel principal em uma peça de teatro por causa da sua condição. Mas nada é tão ruim que não possa piorar. Seu vizinho Bill está passando por enormes dificuldades financeiras e, com medo de contar a sua mulher, pede para que Selma lhe empreste o dinheiro que ela juntou para a cirurgia de Gene. Diante da negativa da imigrante, que explica que não pode mexer no montante, Bill acaba descobrindo onde Selma guarda o dinheiro e rouba todas as economias da mulher. Quando Selma descobre o que Bill fez ela vai até sua casa para tomar de volta o que é seu. Chegando lá, Selma descobre, através de Linda, que seu vizinho está a acusando de assédio e, quando a imigrante sobe para conversar, Bill ainda faz parecer que Selma estaria querendo roubar o dinheiro que na verdade ele tirou dela. Tendo que lutar, mesmo cega, para reaver a quantia que juntou durante uma vida inteira de trabalho, Selma é obrigada a matar Bill. Sendo procurada pela polícia, ela é presa por homicídio e levada a julgamento. Selma abdica da chance de se defender no tribunal para proteger a verdade sobre a doença do seu filho. O fato de Gene descobrir o seu problema poderia complicar seu tratamento, já que o aspecto psicológico pode acelerar o desenvolvimento da doença. E se Gene continuar sem saber de seu histórico familiar as chances do garoto enxergar durante toda a sua vida são bem maiores. Então, Selma mente em diversos momentos de seu julgamento mesmo que isso custe sua própria vida. E o resultado não poderia ser mais desesperador. A imigrante checa recebe a sentença de morte e somente lhe resta esperar por seus últimos dias de vida. Mas quando todo mundo fica sabendo sobre a doença de Gene, o destino coloca em suas mãos a chance de escapar do enforcamento. Tudo parece se encaminhar para um final feliz até o momento em que Selma descobre que o dinheiro que seria usado pra lhe tirar da prisão era o mesmo que pagaria a cirurgia de Gene. Kathy tenta persuadir Selma, que não aceita que o dinheiro de Gene seja gasto com outra coisa que não seja a operação. O espectador inevitavelmente torce desesperadamente por Selma, embora no fundo tenha a certeza de que aquilo ali não vai acabar bem. E de fato ele tem razão. “Dançando no Escuro” é demasiadamente triste durante toda a projeção e assim teria de ser seu desfecho. A quem assiste resta lidar com uma enorme angústia na alma. Os passos de Selma, em ritmo de música, a caminho da sua desgraça final anunciam que a “última canção” está por vir. Mas como diria Selma, “só será a última canção se deixarmos que seja”.


Por Gabriel Von Borell





Dançando no Escuro
(Dancer in the Dark, Dinamarca, Alemanha, Islândia, 2000)
Direção: Lars Von Trier Roteiro: Lars Von Trier Elenco: Björk, Catherine Deneuve, David Morse, Peter Stormare
. Drama. 140 min.

13 comentários:

  1. Ah, que pena que o filme acaba também triste. Bom seria o longa terminar melhor.

    Mas gosto de filmes assim também.

    Bom fds Gabriel
    ate mais

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  2. cara,
    tá muito bem escrito ! Eu já conhecia a história e po, depois de anticristo... quero conhecer todas as obras de las von trier ...rs
    GÊNIO ! ABS

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  3. Excelente Texto.

    Excelente filme, uma obra de arte (Lars von Trier é tenso).

    Abs, Gabriel!

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  4. Ótimo texto. Ainda não vi o filme, mas fiquei com água na boca.

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  5. Ainda bem que gostou. Esse filme me comove, me revolta seriamente. É uf... muito bom mesmo. O filme começa leve... mas acaba tão intenso tão comovedor. Grande experiência.

    5*

    Cumps.
    Roberto Simões
    CINEROAD - A Estrada do Cinema
    (http://cineroad.blogspot.com/)

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  6. Oi Gabriel, tudo em paz? Essa vida é mesmo uma grande luta, mas vale a pena. Obrigado pela força de sempre e por poder contar contigo. Temos mesmo que preservar o melhor que temos dentro de nós.

    Obrigado amigo

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  7. Oi Gabriel, depois deste texto não tem como deixar de ver o filme. Ainda mais que Bjork faz a personagem principal.Imagino a atuação pelo que descreveu, ela é irreverente na música, em Shows, mas não conheço este lado dela de atuar...
    Mas pela sinopse, já fiquei curiosa.
    Anotei aqui,...
    Vou assistir, depois volto pra comentar...;)

    Bjo!

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  8. nossa, pareceu triste mesmo. quero ver não.

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  9. Bela resenha!

    ah, ainda choro se rever este filme.

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  10. Não conheço essa obra, mas estou louco para conhecê-la. Do Trier eu realmente gostei apenas de um filme: Anticristo. Abraço!

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  11. Gabriel

    Ótima dica, como sempre. Assistirei esse também. Você está se tornando o meu consultor de filmes...rs.rs...

    Um abração

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  12. Não existem finais felizes nos filmes do Trier.

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