segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

"E Sua Mãe Também"

Tido como uma das principais referências do novo cinema mexicano, “E Sua Mãe Também” (Y Tu Mamá También, 2001), de Alfonso Cuarón, é um road-movie erótico-dramático interessante e bem dirigido. Após dez anos trabalhando em Hollywood, Cuarón retornou ao México para realizar o filme que revelou os atores Diego Luna e Gael García Bernal ao mundo. “E Sua Mãe Também” narra o amadurecimento de dois jovens amigos durante uma viagem inesquecível pelo México, que vai mergulhá-los em uma rede de descobertas, conflitos, revelações e dramas. Aliado a isto, o espectador passeia pela triste realidade azteca que o roteiro faz questão de revelar em uma espécie de crítica social. Julio (Gael García Bernal) e Tenoch (Diego Luna) são dois adolescentes que moram na Cidade do México. Os dois são inseparáveis e fazem praticamente tudo juntos. Não existem segredos entre eles, ou pelo menos era assim que os jovens pensavam. Quando suas namoradas saem de férias rumo à Europa, Julio e Tenoch tentam tornar os seus dias os mais divertidos possíveis. Sendo assim, os amigos embarcam numa rotina de noitadas e festas para “ganhar” algumas transas. Porém, a coisa não dá muito certo. Durante uma festa familiar, os rapazes conhecem Luisa (Maribel Verdú), que é esposa de um primo de Tenoch. Logo, a bela moça mexe com a cabeça dos dois. Na tentativa de flertar com Luisa, Julio e Tenoch a convidam para embarcar em uma viagem com destino à “Boca do Céu”, uma praia fictícia que eles inventam na hora. De cara, Luisa não aceita o convite. No entanto, circunstâncias futuras nada agradáveis fazem a moça ligar para Tenoch para saber se a viagem ainda está de pé. Este é o ponto de partida que marca o rito de passagem de Julio e Tenoch da adolescência para a vida adulta. A partir daí, uma verdadeira lição sobre o perdão e a amizade terá início. E Luísa é o centro de tudo. As cenas de sexo e os diálogos de “E Sua Mãe Também” são dirigidos com muito requinte por Cuarón. E o retrato que o cineasta faz pela geografia mexicana, revelando seus traços culturais, o comércio marginal e a pobreza local, é incrível. O diretor mexicano também não se esquece de retratar a generosidade de seu povo. É interessante observar como todos estes cenários casam com o texto do longa. “E Sua Mãe Também” não deixa de ser ainda um filme que nos faz pensar sobre as pessoas que passam por nossas vidas. Aquelas que parecem que vão fazer parte da nossa história para sempre, mas que, por algum motivo qualquer, desaparecem e em pouco tempo se tornam apenas estranhos para nós. É uma pena que dez anos depois de sua realização o grande público ainda não tenha descoberto esta bela obra do cinema latino-americano.


Por Gabriel Von Borell



E Sua Mãe Também
(Y Tu Mamá También, México, 2001)
Direção: Alfonso Cuarón Roteiro:
Alfonso Cuarón e Carlos Cuarón Elenco: Maribel Verdú, Diego Luna, Gael Garcia Bernal, Nathan Grinberg.Drama. 105 min.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

"Os Sonhadores"

Polêmico e provocador. Esta poderia facilmente ser uma visão analítica sobre “Os Sonhadores” (The Dreamers, 2003) de Bernardo Bertolucci, baseado no romance de Gilbert Adair, “The Holy Innocents”, de 1988. Mas o belo filme do cineasta italiano é bem mais que a junção destes dois conceitos. É uma homenagem ao cinema e à cultura em geral.  Sem deixar de ser também uma obra inspiradora sobre o espírito revolucionário dos jovens e sobre os movimentos estudantis. “Os Sonhadores” conta a história de três jovens que se conhecem durante o conturbado cenário político da Paris do final dos anos 60. A Cinemateca de Paris, ponto de encontro de jovens cinéfilos, é muito freqüentada pelo americano Matthew (Michael Pitt). Sempre sozinho, o estudante costuma ir ao local para assistir aos clássicos da história do cinema mundial. Quando o diretor e fundador da Cinemateca, Henri Langlois, é demitido, passeatas e manifestações são organizadas em protesto. É aí que Matthew conhece os irmãos gêmeos Theo (Louis Garrel) e Isabelle (Eva Green). De um cotidiano solitário, o americano passa a dedicar seus dias à convivência com os dois irmãos. Quando os pais de Theo e Isabelle deixam a cidade para uma viagem de um mês, Matthew é convidado pelos dois para morar com eles durante aquele período. Neste processo, Matthew desenvolve um encantamento por Isabelle que trará descobertas que, em um primeiro momento, deixará o rapaz bastante incomodado. A relação incestuosa dos irmãos gêmeos perturba a cabeça de Matthew, que ainda assim não consegue se afastar de Theo e Isabelle diante de tanto fascínio pela atraente moça. As cenas de incesto, sexo, nudez e masturbação podem incomodar o espectador, mas Bertolucci conduz “Os Sonhadores” com uma sensibilidade que minimiza o choque da platéia, pelo menos daqueles menos provincianos. A cena em que Isabelle perde a virgindade com Matthew no chão da cozinha, enquanto Theo prepara ovos no fogão e lança olhares curiosos para cima dos dois, poderia parecer grotesca se não fosse pelo talento e apuro de Bertolucci. Em meio aos jogos sexuais e psicológicos estabelecidos pelo trio, o filme vai desfilando referências a famosas obras cinematográficas como “Bande à Part”, “A Vênus Loira” e “Rainha Cristina”. E também vai revelando uma trilha sonora incrível com menções a Janis Joplin, The Doors, Bob Dylan, Jimi Hendrix, Eric Clapton. Dentro do contexto político da França naquela época, Theo ensaia belos discursos, teoriza contra o sistema, mas não passa de um observador distante, quase alheio aos protestos que ocorrem do lado de fora da sua janela. Matthew é aquele que abre os olhos de Theo para a sua própria hipocrisia. E mostra ao irmão de Isabelle que suas palavras e suas ações não possuem coerência. Por outro lado, Theo provoca Matthew fazendo questão de mostrar que sua relação com a irmã é muito mais íntima do que Matthew gostaria que fosse. E assim os dois jovens travam uma batalha pela atenção da ninfeta. Esta, por sua vez, aparece sempre muito dependente do irmão. Embora a questão ideológica e política estejam sempre presente em “Os Sonhadores”, o apelo do trio de protagonistas pende muito para o narcisismo. Os atores têm uma extraordinária química em cena e fazem o triângulo amoroso funcionar bem. Destaque para Eva Green, com uma performance arrebatadora e marcante. “Os Sonhadores” é mais um filme sobre o romantismo sensual e menos uma história sobre depravação e libertinagem. Algumas pessoas podem até não gostar deste longa de Bertolucci, mas é impossível não repercutir sobre ele. Somente o burburinho já é um ponto para o italiano.


Por Gabriel Von Borell



Os Sonhadores
(The Dreamers, Reino Unido, França, Itália, 2003)
Direção: Bernardo Bertolucci Roteiro: Gilbert Adair
Elenco: Michael Pitt, Eva Green, Louis Garrel, Robin Renucci. Drama. 115 min.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

"Apenas Uma Vez"

Sucesso no circuito independente, o musical “Apenas Uma Vez” (Once, 2006), de John Carney, conquistou milhares de fãs por todo o mundo com suas belas e emocionantes canções. Todas as músicas foram compostas pelo músico irlandês Glen Hansard e pela tcheca Marketa Irglova, que hoje formam a dupla The Swell Season. O talento dos dois é tão grande que o filme arrebatou até a Academia do Oscar, que premiou o musical com o Oscar de Melhor Canção Original em 2008, pela linda “Falling Slowly”. A ideia para a construção do roteiro do filme surgiu durante um show do grupo The Frames, do qual Hansard era vocalista e em que Carney também já tocou baixo, entre 1991 e 1993. Então, em 2005, o diretor pediu a Hansard para que escrevesse músicas para uma história de amor que seria retratada no cinema. Como resultado, Carney e Hansard criaram dez canções originais e elaboraram um roteiro com mais de 50 páginas. Todo filmado no estilo documental, “Apenas Uma Vez” mantém seus personagens sempre bem próximos do espectador e isto ajuda a compor um clima intimista ao longo da projeção. Na trama, Hansard é um sujeito comum de Dublin, que trabalha com seu pai em uma loja que conserta aspiradores de pó. Nas horas vagas, ele se apresenta pelas ruas da cidade cantando e tocando o seu violão. E em uma destas performances, o músico conhece a personagem de Irglova, que já o observara muitas vezes enquanto vendia suas flores. Uma curiosidade sobre o filme é que os personagens não possuem nome. Quando ela (Irglova) resolve falar com ele (Hansard), os dois começam uma aproximação que resultará em uma parceria musical. O público pode até imaginar que aquilo vai terminar em alguma espécie de relacionamento amoroso, mas tudo fica mesmo no campo de uma incrível afinidade na música. À medida que os dias passam, a dupla vai se conhecendo e percebendo melhor um ao outro. E Carney mostra todo esse processo com bastante delicadeza e sensibilidade. A cena dentro da loja de instrumentos traduz perfeitamente a questão. Aquele momento captado pela câmera sintetiza o entrosamento entre o casal. Uma nota aqui, um acorde ali, e os dois demonstram uma sintonia imediata. “Apenas Uma Vez” foi rodado em 17 dias e os protagonistas deixaram claro antes mesmo do filme ficar pronto que aquela seria uma incursão única pelo cinema. Uma pena. Juntos, a dupla soube contar perfeitamente uma história singela, tocante, com letra e música encantadoras. Do jeito que poucos seriam capazes de fazer. No final das contas, “Apenas Uma Vez’ é um musical para ser visto e sentido.


Por Gabriel Von Borell




Apenas Uma Vez
(Once, Irlanda, 2006)
Direção: John Carney Roteiro: John Carney Elenco: Glen Hansard, Markéta Inglová, Hugh Walsh, Geoff Minogue
. Drama. 85 min.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

"O Sonho de Cassandra"

Em seu terceiro filme rodado em Londres, Woody Allen constrói mais uma história com traços de tragédia grega em “O Sonho de Cassandra” (Cassandra’s Dream, 2007). Mas não pense que isto é um aspecto negativo. O cineasta nova-iorquino joga com dilemas morais e envolve o espectador em uma trama sobre ambição, cobiça, dinheiro, culpa e arrependimento. Até onde o ser humano é capaz de chegar para levar uma vida confortável e bem-sucedida? E até que ponto conhecemos as pessoas ao nosso redor? Allen parece que gosta de trabalhar com a consciência humana e isto já é, no mínimo, interessante. “O Sonho de Cassandra” conta a história de dois irmãos: Ian (Ewan McGregor) e Terry (Colin Farrell). O primeiro é extremamente ambicioso e sonha em entrar no mercado de hotelaria e levar uma vida cheia de luxos. O último é menos pretensioso, embora viva apostando em corridas de cavalos e tentando faturar sempre uma grana cada vez maior. Juntos, os dois compram um barco com suas economias e batizam o mesmo como O Sonho de Cassandra, em uma referência ao mito de Cassandra, quando uma mulher recebeu o dom de prever o futuro ao mesmo tempo em que recebeu o castigo de que ninguém acreditaria em suas previsões. Tudo vai bem até o momento em que Terry se vê devendo uma grana alta a um agiota, que faz todos os tipos de ameaça. É quando ele procura Ian para que os dois possam pensar em uma solução para o problema. Para a sorte, ou azar, dos irmãos, seu tio Howard (Tom Wilkinson) está vindo visitar a família depois de um longo período sem vê-los. O tio ausente construiu uma verdadeira fortuna com o exercício da medicina e talvez ele não se importe em quitar a dívida de Terry. De quebra, o tio ainda tranqüilizaria seu outro sobrinho, Ian, que está preocupado com o irmão. Porém, o que nem Terry nem Ian sabe é que na verdade a visita de Howard tem um motivo sórdido por trás. No melhor estilo uma mão lava a outra, o tio apresenta uma proposta aos irmãos: os dois vão ter a grana para pagar o agiota desde que assassinem um ex-sócio de Howard que vem o chantageando. Esta é a condição do tio milionário para fechar o negócio. Neste momento, “O Sonho de Cassandra” mergulha profundamente na questão moral e obriga o espectador a julgar todas as ações daqueles personagens. Não seria equivocado afirmar que, em algum momento da projeção, o espectador chega a se colocar no lugar de um dos irmãos e se perguntar o que faria se passasse pela mesma situação. O problema é que a conclusão desta troca de favores ingrata vai gerar conseqüências antes não cogitadas. É aí que o filme de Woody Allen ganha contornos ainda mais dramáticos. O que fazer quando uma das partes responsável por um crime não consegue lidar com o remorso e a culpa? Ian aparentemente não se martiriza pelo que fez a mando de Howard. Pelo contrário. Ele planeja um grande futuro ao lado de Angela Stark (Hayley Atwell), uma atriz de teatro tão ambiciosa quanto Ian. Já Terry começa a preocupar sua esposa Kate (Sally Hawkins), que passa a suspeitar que seu marido esteja enlouquecendo. Então Kate recorre a Ian para encontrar alguma forma de ajudar Terry a superar seja lá o que ele esteja passando. A coisa fica ainda mais perigosa quando Terry revela ao irmão que pretende confessar o assassinato às autoridades policiais. Sem saber como proceder, Ian procura o tio Howard para falar sobre a situação. E este dá ao sobrinho uma solução completamente perturbadora, que pode tomar um rumo irreversível. E assim “O Sonho de Cassandra” tem seu desfecho de forma bem shakesperiana, em um filme marcado com a melhor atuação da carreira de Colin Farrell.


Por Gabriel Von Borell



ficha técnica:

título original:Cassandra's Dream
gênero:Drama
duração:01 hs 48 min
ano de lançamento:2007
estúdio:Iberville Productions / Virtual Studios / Wild Bunch
distribuidora:The Weinstein Company / Imagem Filmes
direção: Woody Allen
roteiro:Woody Allen
produção:Letty Aronson, Stephen Tenenbaum e Gareth Wiley
música:Philip Glass
fotografia:Vilmos Zsigmond
direção de arte:
figurino:Jill Taylor
edição:Alisa Lepselter

elenco:

Ewan McGregor (Ian)
Colin Farrell (Terry)
John Benfield (Pai)
Clare Higgins (Mãe)
Ashley Madekwe (Lucy)
Andrew Howard (Jerry)
Tom Wilkinson (Howard)
Philip Davis (Martin Burns)
Hayley Atwell (Angela Stark)
Sally Hawkins (Kate)
Stephen Noonan (Mel)
Dan Carter (Fred)
Jennifer Higham (Helen)
Lee Whitlock (Mike)
Milo Bodrozic (Milo Bodrozic)
Emily Gilchrist (Emily Gilchrist)
Richard Lintern (Diretor)
Peter-Hugo Daly (Dono do barco)

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

"Invictus"

A primeira cena de “Invictus” (Invictus, 2009) é bastante emblemática e serve como premissa para todo o desenrolar do filme. O veterano diretor Clint Eastwood mostra duas faces distintas de uma África do Sul dividida pelo Apartheid: de um lado aparecem jovens brancos treinando rugby, do outro a câmera mostra crianças negras jogando futebol. Entre estes dois universos aparentemente intransponíveis, surge a comitiva de Nelson Mandela (Morgan Freeman), comemorando a sua libertação depois de 27 anos de prisão. A data era 1990 e quatro anos depois, Mandela viria a se tornar presidente daquela nação. Buscando soluções para possibilitar uma unificação de seu povo, que ainda carregava os resquícios de uma segregação racial gerada pelo Apartheid, Mandela encontra no esporte, mais especificamente na prática do rugby, a resposta para juntar negros e brancos, e assim construir uma África do Sul justa e próspera, sem distinção de nenhum tipo. A relação pouco amistosa entre os membros da equipe de segurança de Mandela ilustra bem a tensão racial que o país emanava naquela época.  Porém, o presidente da África do Sul acreditava que o campeonato mundial de rugby que estava prestes a ser sediado em seu país poderia acabar com o abismo que separava brancos e negros. O problema é que a equipe de rugby da África do Sul era considerada muito fraca e as chances de conquistar o campeonato eram bem remotas. Sem contar que a maioria do povo, negra, odiava o “esporte de branco”, chegando até a torcer contra a equipe de rugby da África do Sul. A idéia de Mandela em usar a Copa do Mundo para aproximar negros e brancos parecia então absurda, inclusive para sua equipe de governo. Porém, Mandela passou a contar com o capitão do time, François Pienaar (Matt Damon), para ajudá-lo nesta árdua tarefa. O objetivo do líder político africano é encorajar seus jogadores para que os mesmos busquem dentro de si um espírito de luta e garra, capaz de torná-los campeões, contrariando todas as expectativas. François executa seu trabalho exatamente como Mandela esperava e a África do Sul chega às finais do campeonato mundial com reais possibilidades de sagrar-se campeã. O jogo final é uma verdadeira batalha campal e Eastwood é mestre na arte de envolver e emocionar o espectador. Não é preciso entender as regras do jogo para entrar no clima “de vida ou morte” da história. Quem assiste percebe que aquele momento transcende o conceito de ganhar ou perder. Não é apenas um jogo, é o primeiro passo na direção de um entendimento entre negros e brancos. A dedicação de François, dentro de campo, e Mandela, fora dele, é compreendida em um grau muito forte pelo espectador. O diretor usa a câmera lenta e o som com um domínio incrível e o espectador testemunha a grande expectativa de um povo, dentro e fora do estádio. Dá até para comparar com o que acontece no Brasil em tempos de Copa do Mundo de Futebol. A maturidade criativa de um inteligente diretor como Eastwood é a peça-chave para o sucesso de “Invictus”. É preciso mencionar também a interpretação memorável de Morgan Freeman como o líder africano. Não seria impossível, por exemplo, confundir o ator com o próprio Mandela em um momento mais distraído. “Invictus” é um longa muito mais a partir do Apartheid do que sobre ele.  Outra obra notável para o currículo de um cineasta que se mostra em plena forma aos 80 anos.


Por Gabriel Von Borell



Invictus
(Invictus, Estados Unidos, 2009)
Direção: Clint Eastwood Roteiro: Anthony Peckham Elenco: Morgan Freeman, Matt Damon, Tony Kgoroge, Patrick Mofokeng
. Drama. 134 min.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

"Rocknrolla"

“Rocknrolla – A Grande Roubada” (Rocknrolla, 2007), do diretor Guy Ritchie, é um daqueles filmes para não ser levado a sério. Para curtir o longa, o espectador tem que estar comprometido apenas com as boas piadas e diálogos espirituosos, esquecendo assim bastante o roteiro, que não é lá grande coisa. Feito isso: a diversão é garantida. Ritchie resgata o estilo narrativo que lhe deu fama com o excelente “Jogos, Trapaças e dois Canos Fumegantes” (Lock, Stock and two Smoking Barrels, 1998) e cria uma história recheada de confusões que envolvem o submundo do crime em Londres. Desta vez, o diretor não se mostrou tão inspirado quanto em seu filme de estréia, mas “Rocknrolla” não é nem de longe um filme descartável. O pano de fundo da história mostra o domínio da máfia russa sobre o futebol inglês, o que vai atrair o encontro de vários tipos de bandido: de chefões da máfia até vigaristas fajutos, numa grande rede de trapaças e confusões. Com narração em off, Ritchie apresenta a hierarquia deste submundo londrino de modo que o espectador não se perca dentre tantos tipos de criminosos diferentes. As situações mais engraçadas são vividas pelo trio One Two (Gerard Butler), Mumbles (Idris Elba) e Handsome Bob (Tom Hardy). Juntos, eles foram enganados pelo maior mafioso da região, Lenny Cole (Tom Wilkinson), e seu braço direito Archie (Mark Strong), e agora precisam arrumar um jeito para levantar uma alta grana e pagar o que devem a Cole, antes que o bam-bam-bam da área corte a cabeça deles. Para se safar, o trio aceita trabalhar para Stella (Thandie Newton), contadora de confiança de um grande mafioso russo que veio para Londres atraído pela expansão imobiliária que eclodiu nos últimos anos na Inglaterra. Stella contrata One Two e Cia para assaltar o russo quando este for levar o dinheiro de um negócio que havia acertado com Cole. Por outro lado, o chefão da máfia de Londres também se vê em maus lençóis quando o quadro de estimação dado pelo russo como garantia da sociedade selada entre os dois some. Tranqüilo, achando que terá tempo para encontrar a pintura a óleo antes da conclusão do acordo com o russo, Cole se torna mais um a ter que se “virar” quando o chefão da Rússia pede para ter de volta o objeto. A partir daí, Cole entra numa busca incessante pelo quadro a fim de que o russo não descubra que um dia a pintura desapareceu. Enquanto isso, os milhões que selariam a sociedade entre os dois chefões vão parar nas mãos de Stella e One Two, que acabam levando a grana não somente na primeira, mas nas duas vezes que o russo transporta o dinheiro para Cole. Aí já dá para perceber como as histórias vão se cruzar e é hilário acompanhar como se estabelece o clima de paranóia e desconfiança entre Cole e o russo. É claro que um fica achando que o outro está querendo lhe passar para trás, quando na verdade ambos são vítimas de golpes de terceiros. Ainda entra na história Johnny Quid (Toby Kebbell), que acaba se tornando a personificação do verdadeiro “rocknrolla”. Quid aparece como suspeito de estar com o requisitado quadro, mas pelo fato de ser considerado um roqueiro morto, a caçada de Cole para reaver a pintura se torna mais complicada. Para amarrar ainda mais a relação entre os personagens, Quid vem a ser enteado e grande desafeto do próprio Cole. Guy Ritchie constrói sua trama com um ritmo eletrizante e bastante adrenalina. O diretor lança mão dos recursos visuais para tornar seu filme mais bacana. As tomadas em slow motion e depois aceleradas, assim como os cortes videoclípticos, conferem um conceito bem cool a “Rocknrolla”. A trilha sonora, incrivelmente bem casada com as cenas, também ajuda a tornar o filme mais interessante. A La Tarantino, mas sem o mesmo talento e inspiração, Ritchie realiza um filme mais de comédia do que sobre a máfia propriamente dita. Se o espectador for assistir “Rocknrolla” com o propósito de conferir um longa sobre corrupção e máfia vai se decepcionar. Agora se o objetivo é se divertir e dar boas risadas, este é um prato cheio.


Por Gabriel Von Borell



ficha técnica:

título original:RocknRolla
gênero:Ação
duração:01 hs 54 min
ano de lançamento:2008
estúdio:Dark Castle Entertainment / Toff Guy Films
distribuidora:Warner Bros.
direção: Guy Ritchie
roteiro:Guy Ritchie
produção:Steve Clark-Hall, Susan Downey, Joel Silver e Guy Ritchie
música:Steve Isles
fotografia:David Higgs
direção de arte:Neal Callow e Andy Nicholson
figurino:Suzie Harman
edição:James Herbert
efeitos especiais:Rushes Post Production

elenco:

Gerard Butler (One Two)
Tom Wilkinson (Lenny Cole)
Thandie Newton (Stella)
Mark Strong (Archie)
Idris Elba (Mumbles)
Jeremy Piven (Mickey)
Blake Ritson (Johnny Sloane)
Karel Roden (Uri Omovich)
Bronson Webb (Paul)
Michael Ryan (Pete)
Tom Hardy (Handsome Bob)
Matt King (Cookie)
Toby Kebbell (Johnny Quid)
David Leon (Malcolm)
Dragan Micanovic (Victor)
Riffany Mulheron (Jackie)
Ludacris (Roman)
Nonso Anozie (Tank)
David Bark-Jones (Bertie)
Gemma Arterton (June)
Geoff Bell (Fred)
Morne Botes (Jimmy)


quinta-feira, 5 de agosto de 2010

"Vidas que se Cruzam"

A estreia na direção do roteirista Guillermo Arriaga (famoso pela parceria com o diretor Alejandro González Iñárritu em “21 Gramas” e “Babel”) com “Vidas que se Cruzam (The Burning Plain, 2009) mostrou mais uma vez o seu talento na construção de uma boa história e provou que Arriaga pode avançar além dos roteiros. Embora o diretor estreante tenha cometido algumas pequenas falhas, que Iñárritu provavelmente não cometeria, ao longo da projeção, nada pode apagar o brilhantismo da sua história. Arriaga errou ao não dar o aprofundamento necessário aos personagens de seu primeiro filme, principalmente com relação ao papel de Charlize Theron. Mas não tem problema, o agora diretor/roteirista continua sabendo perfeitamente prender a atenção do espectador e é mestre na arte de fazê-lo mergulhar na história a fim de desvendar o drama por trás de toda aquela melancolia e dor. “Vidas que se Cruzam” é perturbador em muitos sentidos e mostra como nossos equívocos podem trazer terríveis conseqüências por toda a vida. O estilo de filmagem segue a mesma cartilha de seus trabalhos anteriores como roteirista. Em sua estreia como diretor, Arriaga também utiliza o recurso de contar a trama por meio de diversas narrativas que são intercaladas e ordenadas de modo admirável. Não tem jeito, esta forma de direção já virou marca de Arriaga/Iñárritu e os dois usam o modelo a seu favor como ninguém. A diferença é que, se antes o roteiro de Arriaga focava em histórias que aconteciam paralelamente, desta vez o roteirista optou por uma narrativa que percorre tempos diferentes. Ora o longa revela situações do passado, ora apresenta cenas do presente. Aqui, as atuações não se destacam tanto quanto poderiam, muito pelo fato, já antes citado, do diretor não ter trabalhado tão bem a construção dos personagens centrais. Ainda que Kim Basinger tenha protagonizado uma cena memorável quando a personagem da atriz é tocada em seu seio esquerdo dilacerado pelo câncer. “Vidas que se Cruzam” começa com a imagem de um trailer em chamas em uma cidade próxima à fronteira do México. Logo em seguida a câmera viaja para Portland, EUA, onde Sylvia (Charlize Theron) acorda depois de ter dormido com um homem que, aparentemente, ela não conhecia. Depois, a moça segue para o trabalho enquanto seus passos são meticulosamente observados por um homem estranho (José Maria Yazpik). Sylvia trabalha em um restaurante perto do mar e logo o espectador descobre que o cara com quem a moça acabara de dormir é John (John Corbett), um cozinheiro do mesmo restaurante. Sylvia parece ser uma pessoa bastante atormentada e se autoflagela constantemente, deixando seu corpo todo marcado por feridas. Como se não bastasse a mutilação física, Sylvia vai para cama com qualquer homem que demonstre o mínimo de interesse por ela e depois o dispensa, afastando todos que queiram algum tipo de aproximação em um nível superior, como é o caso de John. Na segunda narrativa, o filme mostra três garotos mexendo nos destroços do trailer incendiado que foi mostrado no início. Dois deles são filhos do homem que estava lá dentro com uma mulher que não era a mãe deles. Santiago (J.D. Pardo) é aquele que se mostra mais afetado pela morte do pai e vai procurar saber de onde veio a mulher com quem ele estava tendo um caso e quem sua amante havia deixado para trás. É quando uma terceira história é apresentada onde uma menina chamada Maria (Tessa Ia) acompanha o pai (Danny Pino) em sua jornada de sobrevoar plantações para irrigar os terrenos. Inicialmente, pode parecer confuso se situar dentro da trama, mas aos poucos Arriaga vai ligando os pontos e as conexões entre uma narrativa e outra. Assim o espectador vai percebendo com clareza a história. O público logo descobre, por exemplo, o amor proibido entre a americana Gina (Kim Basinger) e o mexicano Nick (Joaquim de Almeida). Eles formam a dupla de infiéis mortos no incêndio do trailer. Durante um bom tempo, o espectador se pergunta sobre qual seria o motivo para uma mulher como Gina, que tinha uma boa casa, bonita família e dinheiro, procurar os braços de um homem simples e bronco como Nick. Na verdade, Gina era uma mulher que procurava bem mais do que simplesmente sexo. Ela procurava o carinho e o afeto que não tinha mais em casa desde que retirou os seios em decorrência de um câncer de mama e passou a ser evitada pelo marido Robert (Brett Cullen). Por outro lado, Nick não se incomodava com aquilo, ele amava Gina da maneira como ela era. O mexicano via a beleza em seu corpo que seu marido não conseguia enxergar. A cena em que Robert tenta fazer sexo com Gina e não consegue deixa isto bem evidente. Mas quem vai atrapalhar de verdade, e até de certa maneira em definitivo, a história entre Gina e Nick é a filha dela Mariana (Jennifer Lawrence). A menina, inclusive, começa a namorar Santiago depois que os dois, juntos, após perderem os pais, tentam entender melhor o relacionamento extra-conjugal e acabam se apaixonando no meio do processo. O mais interessante de “Vidas que se Cruzam” é acompanhar como aqueles enredos, aparentemente sem nenhuma relação, de fato se entrecruzam e como isto permite ao espectador compreender por que cada personagem fez o que fez. Suas motivações, seus medos, seus anseios, seus fantasmas, são como são por algum motivo bem específico e particular. Um equívoco pode mudar o destino de muitas pessoas drasticamente. As cicatrizes emocionais são como feridas abertas que nunca se curam. Não adianta tentar fugir porque elas vão sempre te perseguir. Porém, por mais que o passado tenha sido terrível nada impede que o futuro seja promissor. E tomara que Arriaga se aventure novamente na direção. Com a experiência, o roteirista pode fazer ainda melhor.


Por Gabriel Von Borell



ficha técnica:
título original:The Burning Plain
gênero:Drama
duração:01 hs 47 min
ano de lançamento:2009
site oficial:http://www.burningplainmovie.com
estúdio:2929 Productions / Costa Films / Parkes/MacDonald Productions
distribuidora:Magnolia Pictures / Paris Filmes
direção: Guillermo Arriaga
roteiro:Guillermo Arriaga
produção:Laurie MacDonald e Walter F. Parkes
música:Omar Rodriguez-Lopez e Hans Zimmer
fotografia:Robert Elswit e John Toll
direção de arte:James Donahue e Naython Vane
figurino:Cindy Evans
edição:Craig Wood
efeitos especiais:Ollin Studio / Animal Makers

elenco:
Charlize Theron (Sylvia)
Kim Basinger (Gina)
Jennifer Lawrence (Mariana)
José Maria Yazpik (Carlos)
Joaquim de Almeida (Nick)
Tessa Ia (Maria)
Diego J. Torres (Cristobal)
J.D. Pardo (Santiago - jovem)
Danny Pino (Santiago)
John Corbett (John)
Brett Cullen (Robert)
Anthony Escobar (Padre)
Gray Eubank (Lawrence)
Rafael Hernández (Dr. Armendariz)
Sean McGrath (Scott)