terça-feira, 28 de dezembro de 2010

"Os Sonhadores"

Polêmico e provocador. Esta poderia facilmente ser uma visão analítica sobre “Os Sonhadores” (The Dreamers, 2003) de Bernardo Bertolucci, baseado no romance de Gilbert Adair, “The Holy Innocents”, de 1988. Mas o belo filme do cineasta italiano é bem mais que a junção destes dois conceitos. É uma homenagem ao cinema e à cultura em geral.  Sem deixar de ser também uma obra inspiradora sobre o espírito revolucionário dos jovens e sobre os movimentos estudantis. “Os Sonhadores” conta a história de três jovens que se conhecem durante o conturbado cenário político da Paris do final dos anos 60. A Cinemateca de Paris, ponto de encontro de jovens cinéfilos, é muito freqüentada pelo americano Matthew (Michael Pitt). Sempre sozinho, o estudante costuma ir ao local para assistir aos clássicos da história do cinema mundial. Quando o diretor e fundador da Cinemateca, Henri Langlois, é demitido, passeatas e manifestações são organizadas em protesto. É aí que Matthew conhece os irmãos gêmeos Theo (Louis Garrel) e Isabelle (Eva Green). De um cotidiano solitário, o americano passa a dedicar seus dias à convivência com os dois irmãos. Quando os pais de Theo e Isabelle deixam a cidade para uma viagem de um mês, Matthew é convidado pelos dois para morar com eles durante aquele período. Neste processo, Matthew desenvolve um encantamento por Isabelle que trará descobertas que, em um primeiro momento, deixará o rapaz bastante incomodado. A relação incestuosa dos irmãos gêmeos perturba a cabeça de Matthew, que ainda assim não consegue se afastar de Theo e Isabelle diante de tanto fascínio pela atraente moça. As cenas de incesto, sexo, nudez e masturbação podem incomodar o espectador, mas Bertolucci conduz “Os Sonhadores” com uma sensibilidade que minimiza o choque da platéia, pelo menos daqueles menos provincianos. A cena em que Isabelle perde a virgindade com Matthew no chão da cozinha, enquanto Theo prepara ovos no fogão e lança olhares curiosos para cima dos dois, poderia parecer grotesca se não fosse pelo talento e apuro de Bertolucci. Em meio aos jogos sexuais e psicológicos estabelecidos pelo trio, o filme vai desfilando referências a famosas obras cinematográficas como “Bande à Part”, “A Vênus Loira” e “Rainha Cristina”. E também vai revelando uma trilha sonora incrível com menções a Janis Joplin, The Doors, Bob Dylan, Jimi Hendrix, Eric Clapton. Dentro do contexto político da França naquela época, Theo ensaia belos discursos, teoriza contra o sistema, mas não passa de um observador distante, quase alheio aos protestos que ocorrem do lado de fora da sua janela. Matthew é aquele que abre os olhos de Theo para a sua própria hipocrisia. E mostra ao irmão de Isabelle que suas palavras e suas ações não possuem coerência. Por outro lado, Theo provoca Matthew fazendo questão de mostrar que sua relação com a irmã é muito mais íntima do que Matthew gostaria que fosse. E assim os dois jovens travam uma batalha pela atenção da ninfeta. Esta, por sua vez, aparece sempre muito dependente do irmão. Embora a questão ideológica e política estejam sempre presente em “Os Sonhadores”, o apelo do trio de protagonistas pende muito para o narcisismo. Os atores têm uma extraordinária química em cena e fazem o triângulo amoroso funcionar bem. Destaque para Eva Green, com uma performance arrebatadora e marcante. “Os Sonhadores” é mais um filme sobre o romantismo sensual e menos uma história sobre depravação e libertinagem. Algumas pessoas podem até não gostar deste longa de Bertolucci, mas é impossível não repercutir sobre ele. Somente o burburinho já é um ponto para o italiano.


Por Gabriel Von Borell



Os Sonhadores
(The Dreamers, Reino Unido, França, Itália, 2003)
Direção: Bernardo Bertolucci Roteiro: Gilbert Adair
Elenco: Michael Pitt, Eva Green, Louis Garrel, Robin Renucci. Drama. 115 min.