quinta-feira, 5 de agosto de 2010

"Vidas que se Cruzam"

A estreia na direção do roteirista Guillermo Arriaga (famoso pela parceria com o diretor Alejandro González Iñárritu em “21 Gramas” e “Babel”) com “Vidas que se Cruzam (The Burning Plain, 2009) mostrou mais uma vez o seu talento na construção de uma boa história e provou que Arriaga pode avançar além dos roteiros. Embora o diretor estreante tenha cometido algumas pequenas falhas, que Iñárritu provavelmente não cometeria, ao longo da projeção, nada pode apagar o brilhantismo da sua história. Arriaga errou ao não dar o aprofundamento necessário aos personagens de seu primeiro filme, principalmente com relação ao papel de Charlize Theron. Mas não tem problema, o agora diretor/roteirista continua sabendo perfeitamente prender a atenção do espectador e é mestre na arte de fazê-lo mergulhar na história a fim de desvendar o drama por trás de toda aquela melancolia e dor. “Vidas que se Cruzam” é perturbador em muitos sentidos e mostra como nossos equívocos podem trazer terríveis conseqüências por toda a vida. O estilo de filmagem segue a mesma cartilha de seus trabalhos anteriores como roteirista. Em sua estreia como diretor, Arriaga também utiliza o recurso de contar a trama por meio de diversas narrativas que são intercaladas e ordenadas de modo admirável. Não tem jeito, esta forma de direção já virou marca de Arriaga/Iñárritu e os dois usam o modelo a seu favor como ninguém. A diferença é que, se antes o roteiro de Arriaga focava em histórias que aconteciam paralelamente, desta vez o roteirista optou por uma narrativa que percorre tempos diferentes. Ora o longa revela situações do passado, ora apresenta cenas do presente. Aqui, as atuações não se destacam tanto quanto poderiam, muito pelo fato, já antes citado, do diretor não ter trabalhado tão bem a construção dos personagens centrais. Ainda que Kim Basinger tenha protagonizado uma cena memorável quando a personagem da atriz é tocada em seu seio esquerdo dilacerado pelo câncer. “Vidas que se Cruzam” começa com a imagem de um trailer em chamas em uma cidade próxima à fronteira do México. Logo em seguida a câmera viaja para Portland, EUA, onde Sylvia (Charlize Theron) acorda depois de ter dormido com um homem que, aparentemente, ela não conhecia. Depois, a moça segue para o trabalho enquanto seus passos são meticulosamente observados por um homem estranho (José Maria Yazpik). Sylvia trabalha em um restaurante perto do mar e logo o espectador descobre que o cara com quem a moça acabara de dormir é John (John Corbett), um cozinheiro do mesmo restaurante. Sylvia parece ser uma pessoa bastante atormentada e se autoflagela constantemente, deixando seu corpo todo marcado por feridas. Como se não bastasse a mutilação física, Sylvia vai para cama com qualquer homem que demonstre o mínimo de interesse por ela e depois o dispensa, afastando todos que queiram algum tipo de aproximação em um nível superior, como é o caso de John. Na segunda narrativa, o filme mostra três garotos mexendo nos destroços do trailer incendiado que foi mostrado no início. Dois deles são filhos do homem que estava lá dentro com uma mulher que não era a mãe deles. Santiago (J.D. Pardo) é aquele que se mostra mais afetado pela morte do pai e vai procurar saber de onde veio a mulher com quem ele estava tendo um caso e quem sua amante havia deixado para trás. É quando uma terceira história é apresentada onde uma menina chamada Maria (Tessa Ia) acompanha o pai (Danny Pino) em sua jornada de sobrevoar plantações para irrigar os terrenos. Inicialmente, pode parecer confuso se situar dentro da trama, mas aos poucos Arriaga vai ligando os pontos e as conexões entre uma narrativa e outra. Assim o espectador vai percebendo com clareza a história. O público logo descobre, por exemplo, o amor proibido entre a americana Gina (Kim Basinger) e o mexicano Nick (Joaquim de Almeida). Eles formam a dupla de infiéis mortos no incêndio do trailer. Durante um bom tempo, o espectador se pergunta sobre qual seria o motivo para uma mulher como Gina, que tinha uma boa casa, bonita família e dinheiro, procurar os braços de um homem simples e bronco como Nick. Na verdade, Gina era uma mulher que procurava bem mais do que simplesmente sexo. Ela procurava o carinho e o afeto que não tinha mais em casa desde que retirou os seios em decorrência de um câncer de mama e passou a ser evitada pelo marido Robert (Brett Cullen). Por outro lado, Nick não se incomodava com aquilo, ele amava Gina da maneira como ela era. O mexicano via a beleza em seu corpo que seu marido não conseguia enxergar. A cena em que Robert tenta fazer sexo com Gina e não consegue deixa isto bem evidente. Mas quem vai atrapalhar de verdade, e até de certa maneira em definitivo, a história entre Gina e Nick é a filha dela Mariana (Jennifer Lawrence). A menina, inclusive, começa a namorar Santiago depois que os dois, juntos, após perderem os pais, tentam entender melhor o relacionamento extra-conjugal e acabam se apaixonando no meio do processo. O mais interessante de “Vidas que se Cruzam” é acompanhar como aqueles enredos, aparentemente sem nenhuma relação, de fato se entrecruzam e como isto permite ao espectador compreender por que cada personagem fez o que fez. Suas motivações, seus medos, seus anseios, seus fantasmas, são como são por algum motivo bem específico e particular. Um equívoco pode mudar o destino de muitas pessoas drasticamente. As cicatrizes emocionais são como feridas abertas que nunca se curam. Não adianta tentar fugir porque elas vão sempre te perseguir. Porém, por mais que o passado tenha sido terrível nada impede que o futuro seja promissor. E tomara que Arriaga se aventure novamente na direção. Com a experiência, o roteirista pode fazer ainda melhor.


Por Gabriel Von Borell



ficha técnica:
título original:The Burning Plain
gênero:Drama
duração:01 hs 47 min
ano de lançamento:2009
site oficial:http://www.burningplainmovie.com
estúdio:2929 Productions / Costa Films / Parkes/MacDonald Productions
distribuidora:Magnolia Pictures / Paris Filmes
direção: Guillermo Arriaga
roteiro:Guillermo Arriaga
produção:Laurie MacDonald e Walter F. Parkes
música:Omar Rodriguez-Lopez e Hans Zimmer
fotografia:Robert Elswit e John Toll
direção de arte:James Donahue e Naython Vane
figurino:Cindy Evans
edição:Craig Wood
efeitos especiais:Ollin Studio / Animal Makers

elenco:
Charlize Theron (Sylvia)
Kim Basinger (Gina)
Jennifer Lawrence (Mariana)
José Maria Yazpik (Carlos)
Joaquim de Almeida (Nick)
Tessa Ia (Maria)
Diego J. Torres (Cristobal)
J.D. Pardo (Santiago - jovem)
Danny Pino (Santiago)
John Corbett (John)
Brett Cullen (Robert)
Anthony Escobar (Padre)
Gray Eubank (Lawrence)
Rafael Hernández (Dr. Armendariz)
Sean McGrath (Scott)