segunda-feira, 27 de julho de 2009

"Dúvida"


Dezoito anos depois de estrear nas telas de cinema com “Joe Contra o Vulcão” (Joe Versus the Volcano, 1990), John Patrick Shanley realiza “Dúvida” (Doubt, 2008), adaptando para o cinema sua peça homônima vencedora do prêmio Pulitzer em 2005. Com uma direção e roteiro brilhantes, Shanley apresenta ao público uma verdadeira obra-prima. Nem os resquícios da origem teatral diminuem os méritos do filme, pelo contrário, neste caso funciona muito bem. Não há diálogo que se dispense em “Dúvida”. E para contar uma história repleta de diálogos longos, porém poderosos e desconcertantes, o diretor escalou um elenco de primeira. A começar pela sempre magistral Meryl Streep. Como conseqüência, “Dúvida” recebeu quatro indicações ao Oscar 2009 em função de seus atores. Streep foi indicada como Melhor Atriz e o excelente Philip Seymor Hoffman como Melhor Ator. E as atrizes Amy Adams e Viola Davis concorreram para o prêmio de Melhor Atriz coadjuvante. Esta última com uma performance surpreendente, que justifica totalmente o fato de ter sido indicada ao Oscar apesar de aparecer em cena somente por alguns minutos. Uma pena interpretações tão apoteóticas não terem sido reconhecidas através da premiação máxima do cinema mundial. O longa de Shanley ainda recebeu a indicação de Melhor Roteiro Adaptado. “Dúvida” é um filme que trata, como o próprio título sugere, das incertezas e indagações que permeiam às nossas cabeças. Ao assistir ao filme mergulhamos num verdadeiro mar de dúvidas onde tudo parece suspeito e a certeza parece algo inatingível. E dentro deste contexto, o espectador é convidado a participar da narrativa e compartilhar do que é visto em cena. Assim, somos obrigados a duvidar, a todo momento, de todos os personagens, desconfiando de suas verdadeiras motivações e conduta. E nesta guerra de argumentos e contra-argumentos, constatamos que não há certeza ou dúvida absoluta. A trama se passa em meados dos anos 60, numa escola católica dirigida por padres e freiras. Lá, a doce e ingênua irmã James (Amy Adams)começa a levantar suspeitas sobre o relacionamento entre um padre e um aluno seu. O estudante em questão é Donald Miller (Joseph Foster), o primeiro e único aluno negro do tradicional colégio. O garoto torna-se o protegido do padre Flynn (Philip Seymor Hoffman), que se aproxima de Donald sob alegação de que o menino parece excluído dos demais estudantes. Em uma de suas aulas, a irmã James percebe que, ao voltar de uma conversa na sala do padre, Donald retorna com cheiro de vinho em seu hálito e se comportando de maneira estranha. Preocupada com o que possa estar acontecendo, a freira leva o assunto até a sua superiora, a conservadora e rígida irmã Aloysius (Meryl Streep). Em tempos de mudança, Aloysius se esforça para manter o tradicionalismo da escola enquanto Flynn se opõe às suas idéias lutando para que o colégio se modernize junto com o tempo. Como já não gosta do padre por achá-lo progressista demais, a irmã Aloysius apresenta uma pré-disposição a considerar a conduta dele inadequada e passa a investigar o caso por achar que o padre Flynn esteja mantendo um relacionamento impróprio com Donald. Porém, a certeza cega da irmã Aloysius não se sutenta em nenhum tipo de prova. Aloysius chega, inclusive, a conversar com a mãe do garoto, Sra Miller (Viola Davis), que numa cena belíssima, faz revelações íntimas e perturbadoras. “Dúvida” discorre num universo de suposições e seu roteiro primoroso confere ao espectador a penosa missão de condenar ou absolver o padre. Quando o filme parece nos direcionar para o caminho da absolvição logo depois acontece algo que nos enche de dúvidas novamente. Até que ponto nossas suspeitas são infundadas? Às vezes aquilo que parece não é, ou talvez seja. É difícil saber. No final, testemunhamos que até o mais convicto dos convictos no fundo esconde suas dúvidas. E a verdade talvez seja apenas um detalhe.


Por Gabriel Von Borell



Ficha Técnica
Título Original: Doubt
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 104 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 2008
Site Oficial: www.doubt-themovie.com
Estúdio: Scott Rudin Productions / Goodspeed Productions
Distribuição: Walt Disney Studios Motion Pictures / Miramax Films
Direção: John Patrick Shanley
Roteiro: John Patrick Shanley, baseado em peça teatral de John Patrick Shanley
Produção: Mark Roybal e Scott Rudin
Música: Howard Shore
Fotografia: Roger Deakins
Desenho de Produção: David Gropman
Direção de Arte: Peter Rogness
Figurino: Ann Roth
Edição: Dane Collier e Dylan Tichenor


Elenco
Meryl Streep (Irmã Aloysius Beauvier)
Philip Seymour Hoffman (Padre Brendan Flynn)
Amy Adams (Irmã James)
Viola Davis (Sra. Miller)
Alice Drummond (Irmã Veronica)
Audrie J. Neenan (Irmã Raymond)
Susan Blommaert (Sra. Carson)
Carrie Preston (Christine Hurley)
John Costelloe (Warren Hurley)
Lloyd Clay Brown (Jimmy Hurley)
Joseph Foster (Donald Miller)
Bridget Megan Clark (Noreen Horan)
Mike Roukis (William London)
Frank Shanley (Kevin)
Frank Dolce (Ralph)
Paulie Litt (Tommy Conroy)
Matthew Marvin (Raymond)

quarta-feira, 22 de julho de 2009

"O Casamento de Rachel"


Jonathan Demme (“O Silêncio dos Inocentes” e “Filadélfia”) é realmente um diretor de múltiplas facetas. Em “O Casamento de Rachel” (Rachel Getting Married, 2008), o cineasta traz um filme diferente de tudo que já fez antes. Com uma direção precisa e segura, Demme opta por abandonar o estilo mais convencional e parte com a câmera na mão para conseguir um efeito em tela belíssimo. O tom de gravação caseira, com direito a tremulações de imagem e cortes secos, potencializa o grau de intimidade do espectador e o envolvimento com a história se torna muito maior. A fotografia nervosa parece traduzir a ebulição que está presente na família retratada em cena. O roteiro escrito por Jenny Lumet, filha do diretor Sidney Lumet, é formidável e através de diálogos rápidos e naturais cria uma ótiica familiar forte e realista. Anne Hathaway é o grande destaque do elenco. A atriz deixa de lado as mocinhas que a catapultaram ao estrelato para dar vida a uma jovem problemática, com uma das atuações mais elogiadas pela crítica no ano passado. Uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz só confirma a feliz escolha e o talento de Hathaway. Na trama, ela é Kym, uma viciada em álcool e drogas que volta para casa depois que a clínica de reabilitação, onde tem passado os últimos dois anos, a libera para ir ao casamento de sua irmã Rachel (Rosemary DeWitt). O retorno de Kym traz à tona lembranças que todos prefeririam esquecer. O pai das duas moças, Paul, (Bill Irwin), se mostra zeloso com a filha mais nova, muito por conta de seu estado de recuperação. Porém, esta situação acaba incomodando Rachel, que gostaria de ser o centro das atenções pelo menos no dia de seu casamento. Embora as duas demonstrem bastante cumplicidade, elas vivem alfinetando uma à outra. Desde que se separou de Paul, a mãe, Abby (Debra Winger), revela um aparente descaso com as filhas e só aparece pela primeira vez na tela durante o ensaio de casamento. À medida que a casa é tomada pelos preparativos da festa os conflitos entre os membros desta família vão se revelando e Kym parece ser o fio condutor de todos os problemas desencadeados ao longo do tempo. Todas as mágoas, todos os ressentimentos estão ligados à figura de Kym de akguma maneira. Não há nada que se possa fazer para apagar os traumas do passado. Paul tenta contemporizar as discussões, mas parece que vai desmoronar a todo momento. A tragédia que abateu esta família anos atrás é avassaladora e não perdoa ninguém. Um exemplo desta constatação está na cena em que mãe e filha deixam para trás o distanciamento e tentam uma aproximação. Fica evidente que Abby culpa Kym e vice-versa e este conflito resulta numa das cenas mais fortes do filme. O longa de Jonathan Demme mostra as dificuldades de uma jovem que precisa lidar com as suas inseguranças e buscar uma maneira de acertar seu próximo passo. “O Casamento de Rachel” permanece na sua cabeça por horas a fio e faz o espectador refletir sobre as conseqüências psicológicas de uma tragédia. Como é possível seguir em frente? Existe uma maneira de superar uma grande perda? Como amar e ser amado culpando uns aos outros? Aquele tipo de resposta que nem depois de muito pensar chegamos a uma conclusão.


Por Gabriel Von Borell




Ficha Técnica
Título Original: Rachel Getting Married
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 114 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 2008
Site Oficial: www.sonyclassics.com/rachelgettingmarried
Estúdio: Clinica Estetico / Marc Platt Productions
Distribuição: Sony Pictures Releasing
Direção: Jonathan Demme
Roteiro: Jenny Lumet
Produção: Neda Armian e Marc E. Platt
Música: Donald Harrison Jr. e Zefer Tawil
Fotografia: Declan Quinn
Desenho de Produção: Ford Wheeler
Direção de Arte: Kim Jennings
Figurino: Susan Lyall
Edição: Tim Squyres
Efeitos Especiais: Brainstorm Digital / Click 3X


Elenco
Anne Hathaway (Kym)
Rosemarie DeWitt (Rachel)
Mather Zickel (Kieran)
Bill Irwin (Paul)
Anna Deavere Smith (Carol)
Anisa George (Emma)
Tunde Adebimpe (Sidney)
Debra Winger (Abby)
Jerome Le Page (Andrew)
Beau Sia (Norman Sklear)
Dorian Missick (Dorian Lovejoy)