sexta-feira, 24 de setembro de 2010

"O Sonho de Cassandra"

Em seu terceiro filme rodado em Londres, Woody Allen constrói mais uma história com traços de tragédia grega em “O Sonho de Cassandra” (Cassandra’s Dream, 2007). Mas não pense que isto é um aspecto negativo. O cineasta nova-iorquino joga com dilemas morais e envolve o espectador em uma trama sobre ambição, cobiça, dinheiro, culpa e arrependimento. Até onde o ser humano é capaz de chegar para levar uma vida confortável e bem-sucedida? E até que ponto conhecemos as pessoas ao nosso redor? Allen parece que gosta de trabalhar com a consciência humana e isto já é, no mínimo, interessante. “O Sonho de Cassandra” conta a história de dois irmãos: Ian (Ewan McGregor) e Terry (Colin Farrell). O primeiro é extremamente ambicioso e sonha em entrar no mercado de hotelaria e levar uma vida cheia de luxos. O último é menos pretensioso, embora viva apostando em corridas de cavalos e tentando faturar sempre uma grana cada vez maior. Juntos, os dois compram um barco com suas economias e batizam o mesmo como O Sonho de Cassandra, em uma referência ao mito de Cassandra, quando uma mulher recebeu o dom de prever o futuro ao mesmo tempo em que recebeu o castigo de que ninguém acreditaria em suas previsões. Tudo vai bem até o momento em que Terry se vê devendo uma grana alta a um agiota, que faz todos os tipos de ameaça. É quando ele procura Ian para que os dois possam pensar em uma solução para o problema. Para a sorte, ou azar, dos irmãos, seu tio Howard (Tom Wilkinson) está vindo visitar a família depois de um longo período sem vê-los. O tio ausente construiu uma verdadeira fortuna com o exercício da medicina e talvez ele não se importe em quitar a dívida de Terry. De quebra, o tio ainda tranqüilizaria seu outro sobrinho, Ian, que está preocupado com o irmão. Porém, o que nem Terry nem Ian sabe é que na verdade a visita de Howard tem um motivo sórdido por trás. No melhor estilo uma mão lava a outra, o tio apresenta uma proposta aos irmãos: os dois vão ter a grana para pagar o agiota desde que assassinem um ex-sócio de Howard que vem o chantageando. Esta é a condição do tio milionário para fechar o negócio. Neste momento, “O Sonho de Cassandra” mergulha profundamente na questão moral e obriga o espectador a julgar todas as ações daqueles personagens. Não seria equivocado afirmar que, em algum momento da projeção, o espectador chega a se colocar no lugar de um dos irmãos e se perguntar o que faria se passasse pela mesma situação. O problema é que a conclusão desta troca de favores ingrata vai gerar conseqüências antes não cogitadas. É aí que o filme de Woody Allen ganha contornos ainda mais dramáticos. O que fazer quando uma das partes responsável por um crime não consegue lidar com o remorso e a culpa? Ian aparentemente não se martiriza pelo que fez a mando de Howard. Pelo contrário. Ele planeja um grande futuro ao lado de Angela Stark (Hayley Atwell), uma atriz de teatro tão ambiciosa quanto Ian. Já Terry começa a preocupar sua esposa Kate (Sally Hawkins), que passa a suspeitar que seu marido esteja enlouquecendo. Então Kate recorre a Ian para encontrar alguma forma de ajudar Terry a superar seja lá o que ele esteja passando. A coisa fica ainda mais perigosa quando Terry revela ao irmão que pretende confessar o assassinato às autoridades policiais. Sem saber como proceder, Ian procura o tio Howard para falar sobre a situação. E este dá ao sobrinho uma solução completamente perturbadora, que pode tomar um rumo irreversível. E assim “O Sonho de Cassandra” tem seu desfecho de forma bem shakesperiana, em um filme marcado com a melhor atuação da carreira de Colin Farrell.


Por Gabriel Von Borell



ficha técnica:

título original:Cassandra's Dream
gênero:Drama
duração:01 hs 48 min
ano de lançamento:2007
estúdio:Iberville Productions / Virtual Studios / Wild Bunch
distribuidora:The Weinstein Company / Imagem Filmes
direção: Woody Allen
roteiro:Woody Allen
produção:Letty Aronson, Stephen Tenenbaum e Gareth Wiley
música:Philip Glass
fotografia:Vilmos Zsigmond
direção de arte:
figurino:Jill Taylor
edição:Alisa Lepselter

elenco:

Ewan McGregor (Ian)
Colin Farrell (Terry)
John Benfield (Pai)
Clare Higgins (Mãe)
Ashley Madekwe (Lucy)
Andrew Howard (Jerry)
Tom Wilkinson (Howard)
Philip Davis (Martin Burns)
Hayley Atwell (Angela Stark)
Sally Hawkins (Kate)
Stephen Noonan (Mel)
Dan Carter (Fred)
Jennifer Higham (Helen)
Lee Whitlock (Mike)
Milo Bodrozic (Milo Bodrozic)
Emily Gilchrist (Emily Gilchrist)
Richard Lintern (Diretor)
Peter-Hugo Daly (Dono do barco)

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

"Invictus"

A primeira cena de “Invictus” (Invictus, 2009) é bastante emblemática e serve como premissa para todo o desenrolar do filme. O veterano diretor Clint Eastwood mostra duas faces distintas de uma África do Sul dividida pelo Apartheid: de um lado aparecem jovens brancos treinando rugby, do outro a câmera mostra crianças negras jogando futebol. Entre estes dois universos aparentemente intransponíveis, surge a comitiva de Nelson Mandela (Morgan Freeman), comemorando a sua libertação depois de 27 anos de prisão. A data era 1990 e quatro anos depois, Mandela viria a se tornar presidente daquela nação. Buscando soluções para possibilitar uma unificação de seu povo, que ainda carregava os resquícios de uma segregação racial gerada pelo Apartheid, Mandela encontra no esporte, mais especificamente na prática do rugby, a resposta para juntar negros e brancos, e assim construir uma África do Sul justa e próspera, sem distinção de nenhum tipo. A relação pouco amistosa entre os membros da equipe de segurança de Mandela ilustra bem a tensão racial que o país emanava naquela época.  Porém, o presidente da África do Sul acreditava que o campeonato mundial de rugby que estava prestes a ser sediado em seu país poderia acabar com o abismo que separava brancos e negros. O problema é que a equipe de rugby da África do Sul era considerada muito fraca e as chances de conquistar o campeonato eram bem remotas. Sem contar que a maioria do povo, negra, odiava o “esporte de branco”, chegando até a torcer contra a equipe de rugby da África do Sul. A idéia de Mandela em usar a Copa do Mundo para aproximar negros e brancos parecia então absurda, inclusive para sua equipe de governo. Porém, Mandela passou a contar com o capitão do time, François Pienaar (Matt Damon), para ajudá-lo nesta árdua tarefa. O objetivo do líder político africano é encorajar seus jogadores para que os mesmos busquem dentro de si um espírito de luta e garra, capaz de torná-los campeões, contrariando todas as expectativas. François executa seu trabalho exatamente como Mandela esperava e a África do Sul chega às finais do campeonato mundial com reais possibilidades de sagrar-se campeã. O jogo final é uma verdadeira batalha campal e Eastwood é mestre na arte de envolver e emocionar o espectador. Não é preciso entender as regras do jogo para entrar no clima “de vida ou morte” da história. Quem assiste percebe que aquele momento transcende o conceito de ganhar ou perder. Não é apenas um jogo, é o primeiro passo na direção de um entendimento entre negros e brancos. A dedicação de François, dentro de campo, e Mandela, fora dele, é compreendida em um grau muito forte pelo espectador. O diretor usa a câmera lenta e o som com um domínio incrível e o espectador testemunha a grande expectativa de um povo, dentro e fora do estádio. Dá até para comparar com o que acontece no Brasil em tempos de Copa do Mundo de Futebol. A maturidade criativa de um inteligente diretor como Eastwood é a peça-chave para o sucesso de “Invictus”. É preciso mencionar também a interpretação memorável de Morgan Freeman como o líder africano. Não seria impossível, por exemplo, confundir o ator com o próprio Mandela em um momento mais distraído. “Invictus” é um longa muito mais a partir do Apartheid do que sobre ele.  Outra obra notável para o currículo de um cineasta que se mostra em plena forma aos 80 anos.


Por Gabriel Von Borell



Invictus
(Invictus, Estados Unidos, 2009)
Direção: Clint Eastwood Roteiro: Anthony Peckham Elenco: Morgan Freeman, Matt Damon, Tony Kgoroge, Patrick Mofokeng
. Drama. 134 min.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

"Rocknrolla"

“Rocknrolla – A Grande Roubada” (Rocknrolla, 2007), do diretor Guy Ritchie, é um daqueles filmes para não ser levado a sério. Para curtir o longa, o espectador tem que estar comprometido apenas com as boas piadas e diálogos espirituosos, esquecendo assim bastante o roteiro, que não é lá grande coisa. Feito isso: a diversão é garantida. Ritchie resgata o estilo narrativo que lhe deu fama com o excelente “Jogos, Trapaças e dois Canos Fumegantes” (Lock, Stock and two Smoking Barrels, 1998) e cria uma história recheada de confusões que envolvem o submundo do crime em Londres. Desta vez, o diretor não se mostrou tão inspirado quanto em seu filme de estréia, mas “Rocknrolla” não é nem de longe um filme descartável. O pano de fundo da história mostra o domínio da máfia russa sobre o futebol inglês, o que vai atrair o encontro de vários tipos de bandido: de chefões da máfia até vigaristas fajutos, numa grande rede de trapaças e confusões. Com narração em off, Ritchie apresenta a hierarquia deste submundo londrino de modo que o espectador não se perca dentre tantos tipos de criminosos diferentes. As situações mais engraçadas são vividas pelo trio One Two (Gerard Butler), Mumbles (Idris Elba) e Handsome Bob (Tom Hardy). Juntos, eles foram enganados pelo maior mafioso da região, Lenny Cole (Tom Wilkinson), e seu braço direito Archie (Mark Strong), e agora precisam arrumar um jeito para levantar uma alta grana e pagar o que devem a Cole, antes que o bam-bam-bam da área corte a cabeça deles. Para se safar, o trio aceita trabalhar para Stella (Thandie Newton), contadora de confiança de um grande mafioso russo que veio para Londres atraído pela expansão imobiliária que eclodiu nos últimos anos na Inglaterra. Stella contrata One Two e Cia para assaltar o russo quando este for levar o dinheiro de um negócio que havia acertado com Cole. Por outro lado, o chefão da máfia de Londres também se vê em maus lençóis quando o quadro de estimação dado pelo russo como garantia da sociedade selada entre os dois some. Tranqüilo, achando que terá tempo para encontrar a pintura a óleo antes da conclusão do acordo com o russo, Cole se torna mais um a ter que se “virar” quando o chefão da Rússia pede para ter de volta o objeto. A partir daí, Cole entra numa busca incessante pelo quadro a fim de que o russo não descubra que um dia a pintura desapareceu. Enquanto isso, os milhões que selariam a sociedade entre os dois chefões vão parar nas mãos de Stella e One Two, que acabam levando a grana não somente na primeira, mas nas duas vezes que o russo transporta o dinheiro para Cole. Aí já dá para perceber como as histórias vão se cruzar e é hilário acompanhar como se estabelece o clima de paranóia e desconfiança entre Cole e o russo. É claro que um fica achando que o outro está querendo lhe passar para trás, quando na verdade ambos são vítimas de golpes de terceiros. Ainda entra na história Johnny Quid (Toby Kebbell), que acaba se tornando a personificação do verdadeiro “rocknrolla”. Quid aparece como suspeito de estar com o requisitado quadro, mas pelo fato de ser considerado um roqueiro morto, a caçada de Cole para reaver a pintura se torna mais complicada. Para amarrar ainda mais a relação entre os personagens, Quid vem a ser enteado e grande desafeto do próprio Cole. Guy Ritchie constrói sua trama com um ritmo eletrizante e bastante adrenalina. O diretor lança mão dos recursos visuais para tornar seu filme mais bacana. As tomadas em slow motion e depois aceleradas, assim como os cortes videoclípticos, conferem um conceito bem cool a “Rocknrolla”. A trilha sonora, incrivelmente bem casada com as cenas, também ajuda a tornar o filme mais interessante. A La Tarantino, mas sem o mesmo talento e inspiração, Ritchie realiza um filme mais de comédia do que sobre a máfia propriamente dita. Se o espectador for assistir “Rocknrolla” com o propósito de conferir um longa sobre corrupção e máfia vai se decepcionar. Agora se o objetivo é se divertir e dar boas risadas, este é um prato cheio.


Por Gabriel Von Borell



ficha técnica:

título original:RocknRolla
gênero:Ação
duração:01 hs 54 min
ano de lançamento:2008
estúdio:Dark Castle Entertainment / Toff Guy Films
distribuidora:Warner Bros.
direção: Guy Ritchie
roteiro:Guy Ritchie
produção:Steve Clark-Hall, Susan Downey, Joel Silver e Guy Ritchie
música:Steve Isles
fotografia:David Higgs
direção de arte:Neal Callow e Andy Nicholson
figurino:Suzie Harman
edição:James Herbert
efeitos especiais:Rushes Post Production

elenco:

Gerard Butler (One Two)
Tom Wilkinson (Lenny Cole)
Thandie Newton (Stella)
Mark Strong (Archie)
Idris Elba (Mumbles)
Jeremy Piven (Mickey)
Blake Ritson (Johnny Sloane)
Karel Roden (Uri Omovich)
Bronson Webb (Paul)
Michael Ryan (Pete)
Tom Hardy (Handsome Bob)
Matt King (Cookie)
Toby Kebbell (Johnny Quid)
David Leon (Malcolm)
Dragan Micanovic (Victor)
Riffany Mulheron (Jackie)
Ludacris (Roman)
Nonso Anozie (Tank)
David Bark-Jones (Bertie)
Gemma Arterton (June)
Geoff Bell (Fred)
Morne Botes (Jimmy)